domingo, abril 03, 2005

Terry Schiavo e o Direito à Alimentação

A defesa da vida desde a concepção até à morte natural é uma posição confortável. Ter de traçar linhas em assuntos como a vida e a morte não é tarefa fácil: a partir de que idade é que um feto é um ser humano? quando é que alguém tem o direito à eutanásia e quando é que devia ser tratado à sua condição psicológica? afinal tentamos salvar os suicidas.

Penso, no entanto, que a questão Terry Schiavo é de outra ordem. Pelo que me foi dado entender Schiavo estaria em estado vegetativo irreversível, estando portanto - principalmente para quem acredita na dicotomia corpo/alma - já morta, e a inanição não lhe terá causado, aparentemente, desconforto algum. Num artigo no New York Times podemos mesmo ler "doctors contend that patients in persistent vegetative state, like Schiavo, feel no discomfort when flow of nutrients through feeding tube stops; say such fluids and nutrition should not even be called 'feeding'". Claro que o mesmo não se pode dizer da família. Deve ter sido extremamente penoso para os pais e familiares mais próximos esta forma de abandono do fio que os ligava a Terry.

Sendo a relutância e sofrimento dos mais próximos perfeitamente compreensível, o que me faz mais confusão é algum do circo que se gerou à volta da questão. Circo esse composto principalmente por pessoas (incluindo o presidente dos EUA) que parecem abrir uma excepção à sacralidade da vida quando se trata do tão cristão "olho por olho, dente por dente" que é a aplicação da pena de morte, ou para quem a fome em África ou a fome dos indigentes parece ser menos causadora de sofrimento do que a não alimentação artificial de um vegetativo. Apostamos de que lado da barricada vamos encontrar estes piedosos aquando da "reforma" da Segurança Social prometida por Bush ou quando Wolfowitz tiver de decidir as ajudas a África.

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